sábado, 23 de agosto de 2014

PELAS MÃOS DE DEUS





Diga ao vento que me vou, sem barreiras nem fronteiras, sem densidades e sem virtudes.
Vou lançado ao vento como a folha que se desprende dos ramos das árvores, e cai suavemente sobre o solo, aceitando seu destino, e eu, ao meu me entrego.
Mergulho em meus pensamentos e descubro que neles me perco e me encontro, me elevo e me subtraio, me liberto e me condiciono. Fiz de minhas emoções o combustível que me impulsionou a descobrir mais de mim, menos do outro, mais da vida, menos da morte.
Tempos perdidos nas horas que se passaram, em estações que o ritmo da vida deixou para trás. Nestes tempos, deixei que o egoísmo fosse meu cabresto, meu senhor e guia.



Sinuosas e acidentadas foram as minhas experiências, revelei-me um incauto, raras vezes um sábio, em outras ainda, fiz-me aluno daquele tipo que simplesmente contempla a lição que lhe é oferecida pela vida, mas, que dela nada extrai.
Ousadia é meu nome, e por fidelidade a ela, jamais aceitei o que me era exposto, imposto ou simplesmente oferecido pelo caminho.
Caminhos estes, que se fizeram sem margens ou contornos delineados. Visitei a muitas rotas, me identifiquei com algumas, outras apenas admirei, mas, houve aquelas, que rejeitei pelo cinza que as tomavam.
Levantei-me tantas vezes quantas cai, e nestas quedas, a cada vez que me levantava ganhava centímetros que me deixavam sem que o soubesse, mais perto do céu. Aprendi que a vida é uma diversidade de cores e aromas, de estados e frequências, de presenças e de ausências.



Em certo momento rompi com o passado, deixei amores e pessoas onde deviam permanecer, no passado. Deixei alegrias e tristezas onde floresceram, perdi o contato com o que já fui porque entendi que não o poderei ser mais. Apenas ganhei pesos que se alojaram e enriqueceram minhas lembranças, mas estas, apenas lembranças se fizeram.
Cada passo em minha estrada, marcou a trajetória que me traz aqui e que me levará além do imaginável. Nego-me a crer que meu amanhã será a consequência de meu ontem, pois ele, o ontem não vive mais em mim, o libertei para que morresse em paz.



E esta liberdade a dedico a tudo com o que estive ligado, mas não preso,  porque jamais me conceituei um prisioneiro. Carrego em minhas veias o sangue dos livres, daqueles que mesmo diante da morte a percebem como um novo estágio desta liberdade.
Certas vezes permiti que meus olhos percebessem imagens que os deprimia, pelas tristezas das quais os homens e eu produzimos, muitas vezes tomados por ignorância, outras vezes, por imbecilidade.
Delas, tenho apenas as marcas que a meu corpo se somaram, pois, todas não passam apenas de marcas que o pó haverá de apagar.
Quando amei, amei inteiro, nunca pela metade, mas, quando fui amado, nem sempre o fui amado de maneira inteira, porque somente pode amar com plenitude, quem é inteiro e livre.



Os amores que me completavam, a estes, me entreguei sem censuras ou limites, sem pudores ou juízo. A estes, dediquei meu melhor, fui romântico como o é a lua, fui suave como o é o veludo, fui insaciável como o é um leão.
Mas, em minhas partidas nunca olhei para trás, mas, sempre deixei um jardim florido no coração de quem eu amei.
Meus odios, igualmente eram inteiros, os dediquei sem qualquer constrangimento e os exteriorizava com intensa brutalidade, em razão destes, poucos tiveram a sorte de se fazerem prisioneiros, os demais em sua imensa maioria, foram apenas vítimas acolhidas pela terra.



Se, o sangue de inocentes, derramei, peço perdão a vida, mas o que esta feito junta-se ao passado que fui.
Hoje, semeio rosas por onde eu passo, neste ponto da vida, me permito sentar a beira da estrada e aguardar o tempo que for necessário para que a frágil tartaruga libere o meu caminho, para que somente após, eu siga adiante.
Vejo a vida de uma maneira mais simples e menos pesarosa, do que aquela que meus dias já contaram. Carrego junto ao meu corpo apenas aquilo que minhas forças podem carregar, não busco alienar pesos que me retardem o caminho. Ando sem pressa, como a lenta tartaruga, hoje, pacientemente aguardo que a vida conclua os cenários por onde devo passar, sem apressá-la, sem queimar etapas, apenas me curvo ao fluxo natural da criação.
Olho minhas mãos em um misto de estupefação pelo que já fizeram e ansiedade pelo que hão de fazer.



Olho a meus pés, machucados pelo intenso caminhar, sem que raízes neles possam brotar em razão de meu espirito andarilho.
E meus olhos, lacrimosos no passado, vividos no agora, como o são os olhos de uma criança ao esperar o presente que a vida esta por lhe oferecer.
A cada passo em meu caminho, fortalece-se o som de meu coração que aprendeu com as dores da vida, que somente o amor pode conceder ao homem o dom da própria vida em vida.

Vejo em meu horizonte iluminado pelo sol, o distante caminho que me resta vencer, mas, agora que sou levado pelo vento e me faço cumplice  de suas brisas e ventanias, integro-me a presença de Deus, para que dela nunca mais me ausente. 



Mesmo que os espinhos semeados no passado ainda possam repercutir em meu voo, pois, hoje reconheço que desejo ser levado apenas pelo vento, pelo coração e pelas mãos de Deus.

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